6 de jul. de 2010

V




Conheci V em uma situação bastante inusitada. Embora estivéssemos de certa forma presos, eu sabia que ela não estava lá porque escolhera, ao contrário de mim. Eu invejava V. Eu invejava sua total ausência de liberdade. Eu tinha liberdade, eu escolhera estar lá. V não. Ninguém perguntara a V se era isso que queria. Estava lá e ponto.

Eu sabia que um dia V sairia, conseguiria fugir. Se tivesse uma escolha, V saberia o que fazer. Eu não saberia. E eu podia sair se quisesse. Talvez por isso eu jamais saísse. V tinha a coragem que faltava a muitas pessoas. Na época eu não admitia ser uma delas.

V tinha aquele olhar melancólico de alguém que deseja algo por tanto tempo que já se tornara um sonho distante. V me fazia ter vontade de chorar, e isso é mais do que posso dizer sobre qualquer outra pessoa que tenha passado por minha vida. V me fazia sentir algo, ainda que fosse tristeza, culpa, inveja. Eu queria que V desistisse, eu queria que V deixasse de sentir esperança, porque eu já havia deixado há muito tempo. Nunca soube lidar com perdas, e eu sabia que perderia. Perderia V para o mundo, e perderia para V. Eu era a parte de V que já havia desistido, que achava que viver era um luxo, sobreviver bastava para nós. Eu queria levar V comigo. Sua presença tornava tudo menos solitário. Mas, como já previra, um dia V partiu. V não perguntou o que eu faria depois, apenas seguiu seu caminho. Eu não sabia ao certo para onde seguir.

Quando reencontrei V, não sabia o que deveria sentir. Deveria sentir culpa, mas V estava tão melhor que eu! Sempre soube que V alçaria vôos longos, mas doía ser deixado para trás. Doía saber que V e eu já não vivíamos no mesmo mundo. Por tudo que eu havia feito, não merecia mesmo que V pensasse em mim. Mas eu era egoísta, sempre fora. Quando reencontrei V, saí batendo a porta. V ficaria furiosa por um instante, depois não pensaria mais em mim. Eu não deixaria de pensar em V.

Quando vi V pela última vez, muito tempo se passara. Eu não era mais tão egoísta e V perdera quase todo seu ar melancólico. Olhar para V já não me fazia ter vontade de chorar. Quando olhei para V no nosso último encontro, V parecia feliz. Daquelas felicidades de quem não encontrou tudo o que procurava, mas sabe que um dia encontrará. V me olhou e disse ter enxergado tranqüilidade, daquelas de quem resolveu muitas pendências, consigo e com o mundo. V era a minha última pendência. Não precisei dizer o quanto eu sentia, V sabia. V não precisou dizer que me perdoava, eu também sabia. V tinha um caminho que finalmente podia seguir, e eu finalmente comecei a traçar o meu. V me perguntou se eu sabia o que fazer. Eu disse que, pela primeira vez, sabia. V sorriu. Fomos para lados opostos. Não vejo V desde então.

Um comentário:

Paulinha disse...

Deixa eu falar que eu fiquei de fato toda arrepiada com seu texto. Não sei nem explicar porque, mas sabe quando você tem a sensação de que de certa forma todos temos um V na nossa vida? E que mais cedo ou mais tarde, numa esquina ou num cruzamento dessa nossa existência, V vai voltar para que a gente se encontre de fato no mundo - ou se perca de vez nele.