20 de fev. de 2009

City Lights - parte 1

Fiquei muito tempo ainda observando o céu. Não me acostumei com a paisagem urbana, e nunca entendera a fixação de Melinda por tantas luzes confusas, que pareciam se misturar, jamais restringindo-se ao seu espaço e formando um grande aglomerado colorido. Preferia as estrelas e sua simplicidade infinita. Agora, no entanto, as luzes confusas pareciam fazer algum sentido.

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O carro não mudara a velocidade desde o início do trajeto. A chuva, combinada à densidade da noite, fazia da estrada o mais absoluto breu. A lua estava oculta, a maioria dos postes parecia quebrada. Os faróis apenas tornavam possível que o veículo seguisse sempre em frente.

No banco traseiro, a garota permanecia encostada no vidro, assim como quando entrou no carro, antes do pôr-do-sol. Poderia estar adormecida, não fosse o barulho constante de suas unhas tamborilando contra o vidro e seus olhos quase felinos, que por vezes viravam-se, encaranto a nuca do motorista, que prontamente fingia não notar.

Por fim, optou por apenas fitar a chuva e a escuridão. Não tentaria lutar contra o inevitável. Não podiam parar, muito menos retornar.
O silêncio provocado pelo fim do contato entre suas unhas e o vidro pareceu ter despertado o motorista.

- Estamos quase lá, Mel...

- Sei.

- Ah... Se você quiser... sabe, falar sobre o que aconteceu...

- Não.

Uma pausa antes de o motorista prosseguir. Não sabia por que ainda estranhava a indiferença da garota.


- Hm... Acho que mais uma hora ou duas...

- Não precisa falar. Não quero pensar nisso.

- Bom, mas acho que você gostará da casa...

- Qual parte do "não precisa falar" você quer que eu repita?

O homem resignou-se e permaneceu em silêncio o resto do trajeto e ela voltou a bater as unhas contra o vidro enquanto encarava a estrada.



- Bem, chegamos.

O carro parou, uma hora e meia depois, em uma das dezenas de casinhas iguais do bairro. Ela teve a impressão de estar no centro do bairro do centro da cidade. Sem duvida ele tentara agradá-la. Mas não queria pensar em qualquer coisa que aplacasse sua raiva e seu luto, pelo menos por enquanto. Poderia agradecer depois.

Ele adiantou-se para a porta, com as malas em mãos. Ela permanecia no carro, apalpando o bolso do jeans, até achar o bilhete procurado.

"Siga em frente. Até algum dia."

Leu as mesmas palavras várias vezes. Sabia que jamais encontraria as três palavras que procurava escritas.

Guardou o bilhete novamente. Suspirou. Não poderia desabar antes de sequer ter tentado.
Saltou do carro, e foi em direção à sua nova casa.


Continua.

16 de fev. de 2009

Massive attack - teardrop



Não, essa musica provavelmente não é estranha. Tema de abertura do seriado "House", no qual eu estou viciada ultimamente, e com participação especial da vocalista da banda "Cocteau Twins".
Vindo dessa banda, não surpreende o quão creepy o vídeo é, mas achei bem produzido. Bem detalhado, embora um tanto repetitivo.

para não perder o fio da meada, uma citação da Stacy (ex-namorada de house, aparece na segunda temporada):

"You're abrasive and annoying and come on way too strong, like... vindaloo curry. When you're crazy about curry, that's fine but no matter how much you love curry, you have too much of it, it takes the roof of your mouth off. And then you never want to see curry for a really, really long time. But you wake up one day and you think... 'God, I really miss curry'."

13 de fev. de 2009

Benjamin Button


Acredito que a maioria dos internautas, em algum momento da "vida virtual", se deparou com o seguinte texto do cineasta Charles Chaplin:

"A coisa mais injusta sobre a vida é a maneira como ela termina. Eu acho que o verdadeiro ciclo da vida está todo de trás pra frente. Nós deveríamos morrer primeiro, nos livrar logo disso.

Daí viver num asilo, até ser chutado pra fora de lá por estar muito novo. Ganhar um relógio de ouro e ir trabalhar. Então você trabalha 40 anos até ficar novo o bastante pra poder aproveitar sua aposentadoria. Aí você curte tudo, bebe bastante álcool, faz festas e se prepara para a faculdade.

Você vai para colégio, tem várias namoradas, vira criança, não tem nenhuma responsabilidade, se torna um bebezinho de colo, volta pro útero da mãe, passa seus últimos nove meses de vida flutuando. E termina tudo com um ótimo orgasmo! Não seria perfeito?"


Esse texto poderia ser a síntese perfeita do filme "The Curious Case of Benjamin Button". Exceto pelo final - que não seria muito simpático de minha parte contar - , no qual a criatividade de Chaplin superou a de F. Scott Fitzgerald, autor do livro que inspirou o romance.

No entanto, crédito seja dado ao diretor David Fincher, pela ambientação perfeita de uma Nova Orleans "entre-guerras", fazendo todos os tipos de apologias à liberdade de expressão e aos costumes da época. O tipo de sutileza que faz os espectadores sentirem total familiariedade, mesmo numa estória absolutamente fantástica como essa.

O filme começa com a personagem de Cate Blanchett já velha contando à sua filha uma história, que a princípio nada tem a ver com a principal, sobre um relógio na estação de trem de Nova Orleans. Havia sido encomendado a um homem cego, durante a primeira guerra mundial. Durante a fabricação, o homem recebe a notícia da morte de seu filho no campo de batalha. No dia da entrega do relógio, uma surpresa: intencionalmente, ele fora feito para correr no sentido anti-horário. Era sua forma de pedir que trouxessem de volta seu filho e todos os outros mortos pela guerra.

Então segue a narrativa principal, contada pela personagem de Cate (velha e enferma, na sua última conversa com a filha), e a história sobre o relógio passa a fazer sentido, pois seguia o mesmo curso da vida de Benjamin Button, o garoto que, como ele mesmo se define, "was born under unusual circunstances".

No ano da morte de benjamin, 2002, o relógio é retirado da estação e substituído por um "normal". E assim se encerra o ciclo.

Apesar de ser um filme muito bem produzido e com um elenco incrível, é preciso ter em mente que, apesar de muito tocante, a estória é fantasiosa. A menos que o espectador seja totalmente aberto a novas realidades e esqueça-se por duas horas e meia do mundo real, como foi o meu caso, o filme dificilmente irá emocionar.

Vendo os trabalhos anteriores de Fincher ("fight club", "zodiac", "panic room", "seven"), nota-se que o diretor, embora trablhe com maestria o psicológico e os traumas de seus personagens, nunca se propôs a fazer algo tão sensível como este filme. Talvez o fato de ser uma narrativa em primeira pessoa e feita por uma mulher ajude bastante, mas Fincher está claramente explorando novos horizontes (aliás, é justamente essa falta de flexibilidade que me faz ter um pé e meio atrás com o "so called genious" Tarantino, mas deixo o assunto para outro post).

O filme é bastante longo, porém todo o tempo foi necessário para que cada cena fizesse sentido e se desenvolvesse sem pressa, o que me fez gostar tanto do final do filme (geralmente, finais de filme me deixam irritada por serem apressados demais ou pointless demais). Recomendo que assistam ao filme, e, reiterando, com a mente bem longe dos conceitos de "possível" e "impossível".