6 de jul. de 2010

V




Conheci V em uma situação bastante inusitada. Embora estivéssemos de certa forma presos, eu sabia que ela não estava lá porque escolhera, ao contrário de mim. Eu invejava V. Eu invejava sua total ausência de liberdade. Eu tinha liberdade, eu escolhera estar lá. V não. Ninguém perguntara a V se era isso que queria. Estava lá e ponto.

Eu sabia que um dia V sairia, conseguiria fugir. Se tivesse uma escolha, V saberia o que fazer. Eu não saberia. E eu podia sair se quisesse. Talvez por isso eu jamais saísse. V tinha a coragem que faltava a muitas pessoas. Na época eu não admitia ser uma delas.

V tinha aquele olhar melancólico de alguém que deseja algo por tanto tempo que já se tornara um sonho distante. V me fazia ter vontade de chorar, e isso é mais do que posso dizer sobre qualquer outra pessoa que tenha passado por minha vida. V me fazia sentir algo, ainda que fosse tristeza, culpa, inveja. Eu queria que V desistisse, eu queria que V deixasse de sentir esperança, porque eu já havia deixado há muito tempo. Nunca soube lidar com perdas, e eu sabia que perderia. Perderia V para o mundo, e perderia para V. Eu era a parte de V que já havia desistido, que achava que viver era um luxo, sobreviver bastava para nós. Eu queria levar V comigo. Sua presença tornava tudo menos solitário. Mas, como já previra, um dia V partiu. V não perguntou o que eu faria depois, apenas seguiu seu caminho. Eu não sabia ao certo para onde seguir.

Quando reencontrei V, não sabia o que deveria sentir. Deveria sentir culpa, mas V estava tão melhor que eu! Sempre soube que V alçaria vôos longos, mas doía ser deixado para trás. Doía saber que V e eu já não vivíamos no mesmo mundo. Por tudo que eu havia feito, não merecia mesmo que V pensasse em mim. Mas eu era egoísta, sempre fora. Quando reencontrei V, saí batendo a porta. V ficaria furiosa por um instante, depois não pensaria mais em mim. Eu não deixaria de pensar em V.

Quando vi V pela última vez, muito tempo se passara. Eu não era mais tão egoísta e V perdera quase todo seu ar melancólico. Olhar para V já não me fazia ter vontade de chorar. Quando olhei para V no nosso último encontro, V parecia feliz. Daquelas felicidades de quem não encontrou tudo o que procurava, mas sabe que um dia encontrará. V me olhou e disse ter enxergado tranqüilidade, daquelas de quem resolveu muitas pendências, consigo e com o mundo. V era a minha última pendência. Não precisei dizer o quanto eu sentia, V sabia. V não precisou dizer que me perdoava, eu também sabia. V tinha um caminho que finalmente podia seguir, e eu finalmente comecei a traçar o meu. V me perguntou se eu sabia o que fazer. Eu disse que, pela primeira vez, sabia. V sorriu. Fomos para lados opostos. Não vejo V desde então.

13 de out. de 2009

Richard Dawkins...



e o seu ônibus.
Essa notícia é antiga. Vocês devem ter ouvido falar de um grupo de ateus, Richard Dawkins (escritor de "God is a dellusion". Google it) entre eles, que, em resposta às inúmeras propagandas em ônibus ingleses com mensagens religiosas, resolveram colocar em circulação alguns ônibus com esse aviso. Por mais antiga que a notícia seja, ela ainda faz de mim uma pessoa mais feliz.

10 de out. de 2009

Olimpíadas, olimpíadas...

O dia 2 de Outubro amanheceu lindo. O sol brilhando, os pássaros cantando e toda aquela alegria que emanava de todo o Rio de Janeiro. Ah, que coisa mais linda, mais cheia de graça! Virou até feriado municipal para que pudessemos ouvir a notícia sobre a cidade-sede das olimpíadas 2016.
E que alegria contagiante em todo o Brasil quando o Rio foi escolhido! Até nossos queridos irmãos baianos comemoravam com a gente! Nós, brasileiros, pobres coitados sempre à margem do mundo, finalmente teríamos a nossa vez! Até o presidente Lula, nosso guerreiro, representante do povo, derramou lágrimas de emoção!

Mas logo veio a nossa decepção. Os EUA, capitalistas malvados e invejosos que trazem lágrimas ao resto do mundo, precisava nos atacar. O que ocorreu foi que uma americana, de nome Wanda Sykes, que sem duvida se acha uma das donas do mundo e ficou com inveja por Chicago ter perdido para o Rio - afinal, somos um humilde país de terceiro mundo, fez a seguinte declaração, ao ser questionada sobre as olimpíadas: "Você acha que terá prostituição como modalidade esportiva? Será que vai haver um campeonato de melhores bundas?"

Quanta audácia dessa mulher nos insultar desa forma! Nós, mulheres brasileiras, honestas e trabalhadoras! É por conta desse tipo de afirmação falaciosa - afinal, todo mundo sabe que não existe prostituição, muito menos exibicionismo ou apelação corporal na nossa cultura, muito menos no Rio de Janeiro! - que o Brasil tem essa má fama lá fora! Nós, coitados, nos esforçamos tanto, e aí uma gringa, que com certeza não sabe o que é sofrer preconceito, afinal os bisavós dela não foram escravos como os meus, vem e destrói tudo com essa declaração!

Mas o pior de tudo é quando frases do tipo são proferidas por próprios brasileiros! Veja o exemplo daquele Danilo Gentili, insolente, que ousou comparar jogadores de futebol ao King Kong e, ainda por cima, insinuou que mulheres se oferecem a eles por dinheiro! É impensável e inadmissível que uma figura pública seja tão preconceituosa! Afinal, todos sabem que o preconceito não existe no Brasil, apenas nessas raras demonstrações esdruxulas. Eu mesma só consigo pensar em algumas piadas de negro, gays e afins porque assisto ao CQC, mas é claro que isso não faz mais parte da nossa cultura tão inclusiva! Preconceito é coisa de estadounidenses, aqueles capitalistas que só pensam neles mesmos.

Mas tudo bem, isso a gente supera. Afinal, ano que vem tem copa do mundo, né? Ah, e tem eleições, também. Po, bem que a Dilma podia aumentar as cotas universitárias, né? Nós da comunidade, injustiçados socialmente desde a época do descobrimento, merecemos mais de 50% das vagas!

Fiquem com Deus, irmãos!



(OBS 1: Wanda Sykes é negra e assumidamente gay)
(OBS 2: Se você não percebeu a ironia desse texto, você provavelmente ou faz parte da população que se acha digna de pena por parte do resto do mundo por ser um pobre injustiçado, portanto concorda com 100% do texto e jamais lhe ocorreria a possibilidade de uma branca de classe média lhe usar como motivo de piada, afinal isso seria politicamente incorreto e muito, muito preconceituoso, ou você apenas não tem meio neurônio ativo. Em qualquer um dos casos, a sua opinião não poderia me interessar menos)
(OBS 3: sim, a referência religiosa no final foi uma sacanagem de minha parte. Eu sou atéia e não acho que religião deva ser um tabu. Me reservo a liberdade de ver crentes como conservadores esquizofrênicos, obrigada)
(OBS 4: Não achei nenhuma imagem satisfatoriamente ilustrativa. Sugestões?)

12 de ago. de 2009

If you love me...

Eu não posso dizer, sinceramente, que eu sou uma grande fã da banda "coldplay". Seria um grande desrespeito com os fãs que conhecem todos os bonus tracks, hidden tracks, b-sides e unreleased versions. Mas, na minha condição de mera mortal que conhece algumas músicas populares da banda, posso dizer que algumas me chamam muito a atenção.

O fato é que eu sou facilmente impressionável por letras bem escritas. Não digo rebuscadas, podem até ser simples, mas com algum sentido. Ou com algum ponto de vista que as pessoas tendem a ignorar. E eu já havia observado que "the scientist" tem uma dessas letras, que você lê e se pergunta por que não existem mais letras assim. Assim, realistas. Assim, verdadeiramente romanticas. Assim, simples.

Mas esses dias eu estava ouvindo a musica "Violet Hill", e o refrão me chamou muito a atenção. Especialmente, na parte em que ele é modificado. O que me leva ao título do post: "If you love me, why would you let me go?"

Existem muitas letras do tipo "if you love, let go". Mas muito poucas que de fato pensam pelo outro lado. E quando a pessoa amada, no fundo, quer que insistam para que ela fique? E quando, no fundo, não se quer ir embora?

A Sony passa sempre um clipe/comercial da personagem Izzie Stevens (grey's anatomy), com essa música ao fundo. E na quinta temporada do episódio, tudo o que ela precisa é de alguém que lute por ela (não vou dar spoilers e dizer o porquê, mas quem assiste à série deve saber), mesmo que ela peça o contrário. Eu acho que isso acontece, em algum ponto, com todo mundo. Fiquei feliz por encontrar uma letra que abordasse esse lado de uma relação tão bem.

O clipe da Sony/ABC que eu mencionei:

8 de abr. de 2009

Pérola internacional



Enquanto continuo enrolada com a faculdade (Jornalismo - UNESP - eu passei. :D) e consequentemente sem tempo para continuar "City Lights" ou pensar em algo legal sobre o que escrever, vai aqui a mais recente pérola de nosso caríssimo presidente, Luís Inácio Lula da Silva. Talvez "mais recente" não seja um termo muito profissional de minha parte, visto que o sujeito é uma ostra em potencial e o ocorrido já tem mais de uma semana - tempo mais do que suficiente para outra pérola ser produzida, mas eu correrei o risco.

Aconteceu durante uma coletiva em Londres (guardem bem o local do acontecimento, porque é o que deixa o capítulo todo ainda mais vergonhoso), na qual o presidente falava sobre a cirse financeira. Para aqueles que não esperavam um disparate maior depois da "marolinha", o representante do nosso país se supera novamente, dizendo que "É uma crise causada por comportamentos irracionais de gente branca de olhos azuis, que antes da crise pareciam saber tudo e agora não sabem nada". Logo em seguida, uma repórter da revista britânica "The times" presente no evento se desculpa por ser branca e ter olhos azuis. Fazendo muito jus à expressão "cagou e sentou em cima", o presidente responde que a moça “Não parece ter responsabilidade pela crise, parece vítima’’.

Reservo-me o direito de não pensar nas possíveis interpretações desta fala final. Desenvolvi uma terapia alternativa, que consiste na mentalização de um sapo coaxando cada vez que ouço ou leio algo proferido pelo presidente. Ótima para relaxar e abstrair qualquer coisa eventualmente proferida por ele. Tentem usá-la após lerem esse post, e me digam se aprovam.

Quanto a mim, se perguntarem, digam que fui expatriada. É menos vergonhoso.

19 de mar. de 2009

City Lights - parte 2

Incerta de onde estava, continuava correndo. Sabia do erro fatal. Não era culpa dela. Não iria resumir sua vida a isso.

- Mel? Não deu certo, Mel. Não deu certo e você precisa me ajudar.

Não precisava olhar para saber de quem era a voz. E nem iria. Ela fora enganada. Sim, enganada. E a mulher que cuidasse disso sozinha.
Então por que continuava correndo?

A porta à frente parecia ser sua salvação. Escancarou-a e adentrou ao cômodo, sobressaltando-se quando esta bateu com toda a força. Tanto melhor se estivesse trancada.

- Hey

- Oi, desculpa, eu achei que estivesse sozinha...

- A gente se conhece?

Sim, eles se conheciam. Claro que se conheciam. Ela reconhecia sua voz, seu cheiro, seu toque preocupado em seu ombro. Abriu a boca, mas não conseguiu pronunciar o nome dele.

- Achei que não. Mas então, o que aconteceu com você?

Ele sabia. Ela sabia que ele sabia. Por que estava perguntando?
No momento seguinte, a porta se abre, e o ambiente passa de escuro a excessivamente iluminado. A mulher entra.

- Ora, vamos, garota! Não seja irresponsável!

Ela tentava argumentar, mas sua voz não saía. A luz a estava irritando pela primeira vez.
Ele entendia. Ela podia ver em seus olhos. Ele já sabia. De novo.

- Droga, Mel... Eu não posso fazer isso...

Ela sabia que a sala iria se escurecer, mas dessa vez ela ficaria sozinha. Sabia que suas pernas não aguentaria seu peso, por isso sentou.

- Não... Por favor, não! Precisa ter outro jeito, a gente vai descobrir...

Ela precisava ir atrás dele. Não sabia como seguir, só sabia que não podia fazê-lo sozinha. Ela precisava se levantar...



- AI! Inferno de cama...
Mel levantou-se da cama, com cuidado para não bater a cabeça de novo na prateleira logo acima. Enquanto dobrava o pesado edredom, pesava se conseguiria dormir um único dia sem acordar com a pancada contra aquele maldito negócio de madeira.
"Talvez meu pai possa tirá-lo depois..." pensou.

Sentou-se na ponta da cama, não podendo mais evitar pensar no sonho. Tomando uma decisão, foi para a sala pegar o telefone. Sabia que seu pai não estaria em casa antes do almoço.

Já discara aquele número tantas vezes, não fazia sentido hesitar agora. Ou pelo menos era o que ela argumentava para si.

tu...
Ele não ficaria bravo... Ela tinha certeza que ele também sentia falta dela.
tu...
E se ele também sonhasse com isso? Não seria estranho, tratando-se deles...
tu...

- Oi? - foi uma voz feminina que atendeu.

"Ah, merda!"


- Ah... oi, será que o Mateus tá por aí? Ah, aqui é a Melinda... Tá, espero sim.

Com certeza a mãe dele não ficara sabendo de nada. Não, claro que não, ele tinha prometido não falar...

- Mel?

- Ma... Mateus, oi. Eu... Senti saudade. Queria falar com você. Sabe, obrigada... Sabe, pelo bilhete...

- Hm, de nada... Mesmo que você não esteja fazendo o que eu pedi.

Melinda ficou em silêncio. Nunca sabia o que falar quando ele dizia exatamente o que ela tentava esconder. E ele tinha esse péssimo hábito.

- Mel... Eu te conheço. Me fala, aconteceu alguma coisa?

- Matt, eu não consigo. É a terceira noite seguida que eu sonho com você e com aquela mulher e tudo sempre fica escuro! E não tem luzes na minha janela aqui...

Foi a vez de ele ficar em silêncio, do outro lado da linha. Ela sabia que ele estava pensando, por isso também não falou.

- Você... Tá sozinha aí?

- Uhum. Papai costuma voltar perto da hora do almoço, só.

- Hm. Inclusive amanhã?

- Bom, sim... Matt, o que você vai fazer?

- Então, me encontra. Amanhã, nessa hora... Bom, eu tenho seu endereço, eu apareço aí.

- Mas Matt, espera, eu..

- Tchau, Mel.

- ...posso ir aí. - Ela terminou de falar, para o telefone que respondia com frios "tu... tu... tu...".


Colocou-o no gancho, e foi para seu computador. Não poderia negar que estava muito feliz pelo dia seguinte. E ligeiramente nervosa.

"Seguir em frente... Quem diria que o algum dia seria tão logo?"
Sorriu para si com o pensamento.


continua.

20 de fev. de 2009

City Lights - parte 1

Fiquei muito tempo ainda observando o céu. Não me acostumei com a paisagem urbana, e nunca entendera a fixação de Melinda por tantas luzes confusas, que pareciam se misturar, jamais restringindo-se ao seu espaço e formando um grande aglomerado colorido. Preferia as estrelas e sua simplicidade infinita. Agora, no entanto, as luzes confusas pareciam fazer algum sentido.

-

O carro não mudara a velocidade desde o início do trajeto. A chuva, combinada à densidade da noite, fazia da estrada o mais absoluto breu. A lua estava oculta, a maioria dos postes parecia quebrada. Os faróis apenas tornavam possível que o veículo seguisse sempre em frente.

No banco traseiro, a garota permanecia encostada no vidro, assim como quando entrou no carro, antes do pôr-do-sol. Poderia estar adormecida, não fosse o barulho constante de suas unhas tamborilando contra o vidro e seus olhos quase felinos, que por vezes viravam-se, encaranto a nuca do motorista, que prontamente fingia não notar.

Por fim, optou por apenas fitar a chuva e a escuridão. Não tentaria lutar contra o inevitável. Não podiam parar, muito menos retornar.
O silêncio provocado pelo fim do contato entre suas unhas e o vidro pareceu ter despertado o motorista.

- Estamos quase lá, Mel...

- Sei.

- Ah... Se você quiser... sabe, falar sobre o que aconteceu...

- Não.

Uma pausa antes de o motorista prosseguir. Não sabia por que ainda estranhava a indiferença da garota.


- Hm... Acho que mais uma hora ou duas...

- Não precisa falar. Não quero pensar nisso.

- Bom, mas acho que você gostará da casa...

- Qual parte do "não precisa falar" você quer que eu repita?

O homem resignou-se e permaneceu em silêncio o resto do trajeto e ela voltou a bater as unhas contra o vidro enquanto encarava a estrada.



- Bem, chegamos.

O carro parou, uma hora e meia depois, em uma das dezenas de casinhas iguais do bairro. Ela teve a impressão de estar no centro do bairro do centro da cidade. Sem duvida ele tentara agradá-la. Mas não queria pensar em qualquer coisa que aplacasse sua raiva e seu luto, pelo menos por enquanto. Poderia agradecer depois.

Ele adiantou-se para a porta, com as malas em mãos. Ela permanecia no carro, apalpando o bolso do jeans, até achar o bilhete procurado.

"Siga em frente. Até algum dia."

Leu as mesmas palavras várias vezes. Sabia que jamais encontraria as três palavras que procurava escritas.

Guardou o bilhete novamente. Suspirou. Não poderia desabar antes de sequer ter tentado.
Saltou do carro, e foi em direção à sua nova casa.


Continua.

16 de fev. de 2009

Massive attack - teardrop



Não, essa musica provavelmente não é estranha. Tema de abertura do seriado "House", no qual eu estou viciada ultimamente, e com participação especial da vocalista da banda "Cocteau Twins".
Vindo dessa banda, não surpreende o quão creepy o vídeo é, mas achei bem produzido. Bem detalhado, embora um tanto repetitivo.

para não perder o fio da meada, uma citação da Stacy (ex-namorada de house, aparece na segunda temporada):

"You're abrasive and annoying and come on way too strong, like... vindaloo curry. When you're crazy about curry, that's fine but no matter how much you love curry, you have too much of it, it takes the roof of your mouth off. And then you never want to see curry for a really, really long time. But you wake up one day and you think... 'God, I really miss curry'."

13 de fev. de 2009

Benjamin Button


Acredito que a maioria dos internautas, em algum momento da "vida virtual", se deparou com o seguinte texto do cineasta Charles Chaplin:

"A coisa mais injusta sobre a vida é a maneira como ela termina. Eu acho que o verdadeiro ciclo da vida está todo de trás pra frente. Nós deveríamos morrer primeiro, nos livrar logo disso.

Daí viver num asilo, até ser chutado pra fora de lá por estar muito novo. Ganhar um relógio de ouro e ir trabalhar. Então você trabalha 40 anos até ficar novo o bastante pra poder aproveitar sua aposentadoria. Aí você curte tudo, bebe bastante álcool, faz festas e se prepara para a faculdade.

Você vai para colégio, tem várias namoradas, vira criança, não tem nenhuma responsabilidade, se torna um bebezinho de colo, volta pro útero da mãe, passa seus últimos nove meses de vida flutuando. E termina tudo com um ótimo orgasmo! Não seria perfeito?"


Esse texto poderia ser a síntese perfeita do filme "The Curious Case of Benjamin Button". Exceto pelo final - que não seria muito simpático de minha parte contar - , no qual a criatividade de Chaplin superou a de F. Scott Fitzgerald, autor do livro que inspirou o romance.

No entanto, crédito seja dado ao diretor David Fincher, pela ambientação perfeita de uma Nova Orleans "entre-guerras", fazendo todos os tipos de apologias à liberdade de expressão e aos costumes da época. O tipo de sutileza que faz os espectadores sentirem total familiariedade, mesmo numa estória absolutamente fantástica como essa.

O filme começa com a personagem de Cate Blanchett já velha contando à sua filha uma história, que a princípio nada tem a ver com a principal, sobre um relógio na estação de trem de Nova Orleans. Havia sido encomendado a um homem cego, durante a primeira guerra mundial. Durante a fabricação, o homem recebe a notícia da morte de seu filho no campo de batalha. No dia da entrega do relógio, uma surpresa: intencionalmente, ele fora feito para correr no sentido anti-horário. Era sua forma de pedir que trouxessem de volta seu filho e todos os outros mortos pela guerra.

Então segue a narrativa principal, contada pela personagem de Cate (velha e enferma, na sua última conversa com a filha), e a história sobre o relógio passa a fazer sentido, pois seguia o mesmo curso da vida de Benjamin Button, o garoto que, como ele mesmo se define, "was born under unusual circunstances".

No ano da morte de benjamin, 2002, o relógio é retirado da estação e substituído por um "normal". E assim se encerra o ciclo.

Apesar de ser um filme muito bem produzido e com um elenco incrível, é preciso ter em mente que, apesar de muito tocante, a estória é fantasiosa. A menos que o espectador seja totalmente aberto a novas realidades e esqueça-se por duas horas e meia do mundo real, como foi o meu caso, o filme dificilmente irá emocionar.

Vendo os trabalhos anteriores de Fincher ("fight club", "zodiac", "panic room", "seven"), nota-se que o diretor, embora trablhe com maestria o psicológico e os traumas de seus personagens, nunca se propôs a fazer algo tão sensível como este filme. Talvez o fato de ser uma narrativa em primeira pessoa e feita por uma mulher ajude bastante, mas Fincher está claramente explorando novos horizontes (aliás, é justamente essa falta de flexibilidade que me faz ter um pé e meio atrás com o "so called genious" Tarantino, mas deixo o assunto para outro post).

O filme é bastante longo, porém todo o tempo foi necessário para que cada cena fizesse sentido e se desenvolvesse sem pressa, o que me fez gostar tanto do final do filme (geralmente, finais de filme me deixam irritada por serem apressados demais ou pointless demais). Recomendo que assistam ao filme, e, reiterando, com a mente bem longe dos conceitos de "possível" e "impossível".

18 de jan. de 2009

E a guerra?

Não, eu não fui mandada por engano [ou não] junto com os mantimentos da ONU para os refugiados da Palestina na faixa de Gaza. Para a infelicidade de alguns. Apesar de ser uma vestibulanda (segundo meu Aurélio imaginário: subs. Relativo a pessoas do sexo feminino aspirantes a uma vaga no ensino Superior, cuja sanidade é frequentemente questionável e cujas preocupações se resumem a Polímeros, isômeros ópticos cis-trans, polinômios, revoluções Francesa e Industrial, conquistas de Alexandre, o Grande e afins. Ocasionalmente desprovidos de vida social.), arrumei algum tempo para acompanhar a troca de gentilezas entre Israel e os isômeros da Jordânia (desculpem a piadinha infâme, ainda não superei essa fase).

Não é de agora que a tensão na faixa de gaza me interessa. Um local onde a maioria dos povos vive numa corda bamba, em constantes tréguas temporárias entre guerras desde antes do meu nascimento (e conseguem perdurar a situação até meus quase completos 18 anos, e provavelmente mais) não poderia passar despercebido.

Voltando ao conflito atual, eu fiz questão de ouvir vários pontos de vista sobre o assunto. Alguns concordam em totalidade com o Hamaz, alguns condenam Israel por sua reação exagerada, mas não concordam com a intransigência dos palestinos, e alguns (cito aqui Diogo Mainardi, em especial, por ser alguém cujas opiniões sempre me interessaram muito) não vêem reação exagerada em Israel, pois acham claro que a intenção do Hamaz é dizimar Israel, faltando-lhes apenas poder bélico.

Particularmente, eu me encaixo em partes no segundo grupo. Os dois lados possuem falhas graves, entre elas o fanatismo, a visão unilateral e, principalmente, o ódio acumulado por séculos. É óbvio que não houve qualquer fato acidental nos ataques ao estoque de mantimentos para os refugiados Palestinos ocorrido recentemente. O ódio rnvolvido nessa guerra transcendeu os campos de batalha há muito tempo. Sejam as alegações dos líderes polítos quais forem, a meta de um povo é a extinção do outro.

Há algum tempo, eu não conseguia entender o que levaria um povo em visível desvantagem como os palestinos a insistirem nessa guerra. Lembro-me sempre de uma conversa com um amigo meu, e cito aqui alg que ele falou: não há coragem alguma em morrer nessa luta desigual. O que há é fanatismo religioso. como você ameaça um povo para o qual a guerra é uma bênção e morrer lutando pela sua terra Santa é a melhor maneira de garantir seulugar no céu? Um povo pretende matar, e o outro pretende morrer. Essa guerra está muito longe de acabar.

Penso muito nessas palavras, e ainda não achei qualquer solução. A religião é um tumor cancerígeno que parece existir na humanidade desde os primórdios, e se propagou como uma característica evolutiva vestigial (Richard Dawkins diz).

Se essa guerra terminará com uma bomba atômica de Israel ou com um acordo pacífico, é difícil prever, muito embora eu aposte no primeiro. Só posso esperar que existam mais alguns milhares de ateus no mundo depois disso.

16 de dez. de 2008

Redação da UNESP

O tema era "O homem: inimigo do planeta?".

"O homem é bastante novo, se comparado à idade do planeta Terra. Pormuito tempo houve vida sem a sua presença, o que leva a crer que seu desaparecimento nao seria o fim do mundo. o contrário, entretanto, não se aplica: sem a Terra, o homem não sobrevive.

Esta noção vem afetando cada vez mais o modo de pensar e viver da humanidade. sendo a única espécie a usar recursos não-renováveis, e causando impacto suficiente para mudar o clima mundial, o homem passou a receber respostas mais diretas para a sua relação predatória com o planeta: furacões, terremotos, derretimento de geleiras, desabamentos e desertificações por todo o globo. Nos perguntamos, então, quanto tempo levará para a Terra se sentir obrigada a nos extingüir.

Alguns pessimistas criticam a "inteligencia" humana e acreditam já não haver caminho de volta. No entanto, essa inteligência é o unico recurso que possuímos para reverter a situação - basta que assim desejemos.

A principal saída é o desenvolvimento sustentável. Em outras palavras, criar uma sociedade menos pautada pelo consumo e em maior sintonia com a vida ao seu redor, o que evitaria uma sobrecarga.

São medidas que necessitam de tempo e conscientização a nível mundial, mas são necessárias para se reestabelecer uma relação harmonica com o planeta. Nosso atual papel de "inimigo predador da natureza" nos renderá apenas a extinção. Ao contrário de nós, a Terra continua."


Estou aceitando opiniões, correções e etc.

12 de dez. de 2008

Capitu


Do mesmo modo como eu não vou ao cinema com um pé atrás porque o filme a ser assistido ganhou um óscar, nem deixo de ler livros porque são best-sellers ou julgo um artigo jornalístico ruim antes de lê-lo só porque este foi publicado na Veja, é claro que eu não faria qualquer pré-julgamento sobre a minissérie baseada no livro de Machado de Assis só porque esta seria exibida pela rede globo.


Desde a primeira chamada, "Capitu" me chamou a atenção. A proposta artística me pareceu muito boa. De fato, logo no primeiro capítulo, já foi perceptível que o diretor optou por manter o relato na voz do próprio Dom Casmurro, mantendo também seu tom introspectivo, por vezes irregular, crítico e claramente unilateral.


Confesso que, quando li o livro, em nenhum momento me veio à cabeça personagens tão caricaturados. Mas obras audiovisuais normalmente primam pelo exageiro em relação às literarias, pois é a forma mais segura de garantir que a expressão do livro seja passada adiante. Particularmente, eu achei o recurso bastante condizente com a proposta do diretor. Pode não ter sido a melhor maneira de transmitir a fina ironia machadiana, mas foi uma saída válida.


Gostei muito da narração não primar pela verdade absoluta dos fatos, mas guiar-se pela perspectiva de Bentinho. Afinal, é isso que temos durante todo o livro.


A clara diferença entre bentinho adulto/bentinho jovem, os momentos em que os dois são postos juntos em cena, a divisão dos capítulos (sem que um comece necessariamente de onde o anterior parou) foram alguns pontos que eu achei muito bem trabalhados.


Quanto aos personagens, o Bentinho narrador, adulto, como eu já disse, fugiu às minhas expectativas. Mas na obra como um todo, ajudou a manter seu caráter irônico.

Em especial, a prima Justina e o Cônego Dias ficaram exatamente aquilo que eu imaginara dos dois. Para mim, as melhores caracterizações.


Não sei ainda como será o fim da minissérie, e como o diretor pretende mostrar a parte da traição - pois pra mim, ela em si é secundária. A história é sobre um homem confuso com suas percepções distorcidas, e não sobre uma traição. Mas não vamos esquecer que o nome da obra é "capitu", e não "Dom casmurro". Eu esperaria que, em algum momento, a narrativa fugisse um pouco ao livro, no sentido de entranhar-se na perspectiva de Capitu, o que eu acharia bastante interessante, mas não sei se ocorrerá.


De qualquer maneira, registro meus elogios até agora para os produtores de arte e para o diretor. De forma geral, estou gostando muito da minissérie. Aguardo pelos próximos dois capítulos.



(obs: não me perguntem o porquê dos olhos. Sempre tive fascínio pelos olhos da capitu, e essa foi uma boa imagem, ao meu ver.)

3 de dez. de 2008

Like a call

Sabe quando você quer muito algo, não vê a hora de acontecer, quebra todas as regras para chegar aonde você quer e, quando você chega, você pára e se pergunta "ok... e agora?"?

Eu acho que esse vídeo expressa exatamente essa sensação.

24 de nov. de 2008

Juntos e sós


"Tudo entrou em minha vida tão naturalmente, teria sido muito estranho caso eu não tivesse me apaixonado por você. Tão efêmero quanto deve ser, e tão intenso, eu não imagino outro curso de vida. Tanto quanto eu anseio por te encontrar e aproximar nossos corpos no máximo que a situação me permite, eu mal posso esperar para dizermos nosso último adeus, quando eu estarei protegida entre seus braços pela última vez, e nós não nos encontraremos novamente. Simples como deve ser, nós fomos feitos para não sermos um do outro."


Eu gosto de digitar coisas como "alone together" no google e ver as imagens que aparecem, e essa em especial me chamou muito a atenção. Foi coincidência, acho, que eu escrevi isso ontem à noite, e achei algo que ilustrasse perfeitamente o que eu queria dizer.


Queria muito descobrir o autor da imagem. Alguém tem idéia?

18 de nov. de 2008

Mudanças


As chuvas de Novembro sempre foram esperadas. Ela ansiava desde Março por uma mísera precipitação que pudesse apaziguar o calor que já se tornara quase insuportável.


Contava os dias, as horas, as nuvens no céu. Fugia de qualquer índicio de sol, escondia-se nas menores sombras, encontrava qualquer refúgio que a fizesse esquecer do astro que brilhava, alheio à sua aversão. Seguia-a quando ela se refrescava na piscina, feliz por poder tocar seu corpo, mesmo que ela rapidamente mergulhasse nas águas, o mais longe possível dele. Ia recepcioná-la após cada banho, em cada amanhecer e permanecia ao seu lado até o anoitecer, mesmo que tão indesejado.


Encolhida em alguma sombra, ela por vezes chorava, clamando alguma paz, algum espaço sem aquela luz e aquele calor sufocantes que cismavam em acompanhá-la. Em seu desespero, só o que a acalentava era pensar nas chuvas de Novembro que logo chegariam.
Conforme foi chegando o mês de Agosto, o sol já sabia que era questão de tempo para tudo mudar. Seu brilho ia diminuindo aos poucos, a medida que as nuvens iam se tornando mais freqüentes. Ela já saía de casa mais feliz, com a expressão vitoriosa, sabendo que o ansiado Novembro se aproximava.

O primeiro dia inteiramente nublado, no mês de Outubro, coincidiu com seu aniversário. Nada poderia tê-la feito mais feliz naquele momento. A breve experiência de uma tarde em claridade deixara-a ainda mais ansiosa. Continuava sua espera pelo mês das chuvas.


O sol encontrava-se mais triste do que nunca. Não apenas porque ele queria continuar acompanhando-a, mas também porque ele percebera o quanto ela desejava sua ausência. Não que se sentisse magoado ou ofendido, apenas temia por ela. Sua experiência o dizia que ela não sabia ao certo o quê viria pela frente. Ela querer-lhe-ia ainda, ele estava certo disso, mas não queria que sua menina sofresse.


Foi pouco antes das primeiras chuvas que ela percebeu: não tinha qualquer tipo de roupa de frio, simplesmente não era preparada para viver aquilo. Enquanto se concentrara em não suportar o sol, esqueceu-se de se preparar para quando ele a deixasse.
Mas, bem, isso não poderia ser de todo um problema. Afinal, finalmente, o mês das chuvas chegou!


Ele era um triste espectador de sua felicidade sob as gotas de chuva, tendo certeza de que, enquanto ela sorria, as gotas tentavam machucá-la. E logo conseguiriam.


Não demorou muito para que ela se sentisse incomodada. O vento forte tentava expulsá-la. A precipitação, cada vez mais forte, era agressiva em sua pele. Quando voltou para casa, torcendo a roupa encharcada, pegou-se pensando no sol, e no modo gentil como ele sempre a tocara. Descobriu que sentia saudades.


E Novembro finalmente havia chegado. Ela conseguira roupas, de modo a deixar sua pele mais dura sob as gotas agressivas, e conseguia passar pela estação das chuvas, indiferente, pois tinha certeza de que, alguns meses depois, o sol voltaria a tocá-la de maneira terna e delicada, ainda que fosse levar certo tempo para se reacostumar com aquela luz e aquele calor há tanto perdido.